segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Rita Vietal de Carvalho


Ritinha é um doce de pessoa. Aos 82 anos 
mantém uma delicadeza e uma doçura enormes, 
além de uma memória incrível que a faz
 lembrar da maria fumaça no Barracão 
e do trabalho na Matarazzo
Dos teares de algodão à descoberta da música

Meu nome é Rita Vietal de Carvalho e nasci em Ribeirão Preto, em 1930. Papai era ferroviário, sua função era “Guarda-Trem”, ou picador de passagens. Mamãe cuidava dos afazeres da casa, mas lavava roupa pra fora para ajudar nas despesas da casa pois éramos em sete irmãos, além de um sobrinho de meus pais que também morava conosco.
Morávamos na Vila Tibério, na rua Martinico Prado a três quarteirões da igreja Coração de Maria. Nessa época ainda não havia a praça nem o grupo escolar. A igreja ficava perto de uma chácara. 
Com seis anos fui matriculada na Escola Sociedade Amiga dos Pobres, na rua Castro Alves. Ali fiz o primeiro, o segundo e o terceiro ano. Lembro-me de um dia que eu não queria deixar que me vacinassem na coxa porque tinha vergonha. A professora me segurou e eu dei uma mordida na mão dela. Resultado: todos os alunos saíram para o lanche e eu fiquei de castigo e com muita raiva da professora. Pra completar, ao chegar em casa ainda levei outra bronca. Ufa!
Ficamos muito alegres quando papai comprou um terreno nos Campos Elíseos e construiu dois cômodos. Mudamos e fui matriculada no 4 Grupo Escolar Antonio  Diederichsen e aos 10 anos recebi meu diploma do então curso primário. Lembro-me que nessa época havia uma ponte seca e outra que atravessava a água para irmos na Vila Tibério. Era um campo aberto onde hoje fica a rotatória Amim Calil.
Lembro-me também da Estação do Barracão da qual o trem saía todo dia às quatro da tarde e a gente ia todo dia ver o trem sair depois de fazer manobras. Eu levava o almoço pro meu pai e deixava com o maquinista. Agora a estação está desativada. A outra estação ficava no centro da cidade e agora, de lembrança só tem uma Maria Fumaça em exposição.
A ruas dos Campos Elíseos eram um poeirão só. Em frente a nossa casa veio morar uma família de japoneses. Um dia desceu uma boiada da fazenda Baixadão e para surpresa de todos, a boiada estourou, derrubando os muros das casas. Foi uma gritaria
Havia uma lojinha perto da Igreja da Vila Tibério cujos donos eram  de uma família árabe. Minha mãe tinha crédito nessa loja e acabou me levando para trabalhar com a família. Meus pais eram muito bons, mas bem enérgicos. Lembro-me que eu não queria trabalhar e voltei pra casa. Ela não teve dúvida: me levou de volta pro serviço na marra. Algum tempo depois a loja se mudou para a rua Saldanha Marinho com o nome de Bazar Estrela e lá trabalhei até a idade de 16 anos. O dinheiro que ganhava ia todo para a mão de meus pais.
Logo depois da Fábrica Matarazzo se instalar aqui eu fiz uma ficha e fui trabalhar lá, onde fiquei até os meus 23 anos, quando sai para casar. Trabalhava na fiação, onde produzíamos os fios de algodão. As máquinas eram impressionantes. Entrava a saca de algodão e saía o tecido estampado do outro lado. Nessa época não havia refeitório e mamãe levava a marmita pra mim na hora do almoço. No fim do dia, eu saía branquinha de pó de algodão.
Em 1952, quando fiquei noiva pude ter um dinheiro na mão pra fazer o enxoval. Eu comprava peças de algodão cru, alvejava e desfiava a barra, amarrando depois como macramê. Meu pai nos deu somente um ano de noivado. Em 53 saí da fábrica para casar e no ano seguinte meu filho nasceu aos seis meses. Eu fiz uma cesária, estava fraca, mas tinha que trabalhar de novo e foi bem difícil. Meu marido trabalhava como chefe de cozinha no Hotel Brasil.
Fui trabalhar com uma família como arrumadeira e pajem (que era como chamavam as babás) de uma menininha. Depois de quatro anos, mudei para a cidade de Leme, mas não ficamos muito tempo – uma noite houve um terrível temporal e meu marido, que trabalhava à noite, não estava. Morávamos perto de um rio e eu, sozinha com meu filho em casa, tive que sair com água até o joelho. Fiquei assustada e resolvi voltar pra Ribeirão. Fiquei uns dias com meus pais e logo meu marido também voltou. Nessa altura eu já trabalhava com a família Schroeder, na rua Campos Sales com Tibiriçá. Trabalhei também para outras famílias em Ribeirão.
Mais tarde fui para a Cooperçucar e nos anos 70, depois de fazer um curso, fui trabalhar no Sanatório Espírita Vicente de Paulo, na rua Pará, no Ipiranga. Ali tive um dos encontros mais emocionantes da minha vida. Uma noite, quando fazia um plantão, fui chamada para recolher uma paciente. Qual não foi minha surpresa ao reconhecer aquela linda moça como uma menina de quem tinha sido pajem anos antes. Nos abraçamos e choramos muito.
Eu disse a ela que ali não era o seu lugar, falei com o médico e ela foi encaminhada para Itapira para fazer um tratamento adequado. Esses e outros acontecimentos foram grandes lições de vida que tive nesse período. Aprendi a ouvir com amor e paciência e perceber que os seres humanos têm cada um o seu problema.
Nos intervalos ainda trabalhava como diarista e revendedora de cosméticos. Fui também voluntária no asilo Padre Euclides, onde conheci a irmã Ritinha, minha xará, um amor de pessoa.
Em 1991 me aposentei e depois de alguns anos entrei em depressão – sentia muita falta do meu trabalho. O que me salvou foi conhecer o grupo da Terceira Idade do Sindicato dos Empregados do Comércio. Me ajudou muito. Participava do teatro, do coral e hoje sou até porta-bandeira do grupo. 
Aos 73 anos comecei a aprender a tocar violão. Um dia o professor me disse: “Um dia você ainda vai compor suas músicas”. Fui tentando, ele me ajudava com o seu violão e em 2005 gravamos 19 músicas e fizemos um CD muito bom. No ano seguinte participei de um concurso de poesia do Sesc, onde ganhei uma medalha de honra ao mérito e repeti a dose nos anos seguintes.
Atualmente tenho aulas de teclado que, junto com o violão, me distraem e trazem alegria. Hoje sei que elas fazem parte da vida, assim como as tristezas, mas o melhor é guardar as lembranças boas e lutar sempre para ser feliz. Aleluia!

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