segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

José Cândido Cesário


José Cândido Cesáreo, 80 anos, 
aposentado do Hospital das Clínicas, 
três filhos, dois netos, uma neta. De espírito 
alegre e colaborativo, Zézinho, como é chamado, 
é um agregador, amigo de todo mundo. 
Sua grande paixão, porém, sempre foi o teatro.



A Vida é um Teatro


Nasci em 1930 e desde 35, ou seja, com cinco anos, frequentava o Teatrinho Infantil, na rua Joaquim Nabuco, na Vila Tibério. Nessa época os teatrinhos eram montados nos fundos de quintal, com coberturas de lona, como se fosse um pequeno circo.

Neles encenávamos histórias como A Mula sem Cabeça, O Currupira, Saci Pererê, além de levarmos ao palco alguns fatos reais como o acontecido com o senhor Angelim Furlaneti, o popular “Spaka montanha”. Esse cidadão, de físico avantajado e atlético, além de pai alegre e trabalhador, era um grande comilão. Contavam que ele chegou a comer de uma vez uma bacia de macarronada e 120 bananas – e depois ganhou uma corrida. Até hoje tenho minha dúvidas, mas é o que falavam.
No palco, um garoto caracterizado historiava que o Spaka praticou tantos exercícios para manter a forma, sem orientação nem atestado médico, já que na época não existiam as atuais academias, que acabou deficiente físico.
Os ensaios se sucediam e as apresentações aconteciam nos finais de semana. Os ingressos eram trocados por frutas e legumes.
Entre os participantes, lembro-me, além de mim mesmo, que todos chamavam de Zé Pretinho, filho da dona Clementina; Carlos Dias, filho da dona Liberata; Nilson, da dona Ermelinda e Hortêncio “piorra”, filho da dona Tereza. O público infantil ria às bandeiradas.
No palco contávamos também curiosidades acontecidas durante a caça de passarinhos nas diversas matas próximas, como a mata de Arranha Gatos. Através das encenações, lembrávamos os “causos” alegres e curiosos do dia a dia.
Naquele período eu e meus amigos frequentávamos o curso primário no Terceiro Grupo Escolar, depois Sinhá Junqueira, situado até hoje na esquina da Praça Coração de Maria, na Vila Tibério. Até hoje quando passo por ali me emociono com as lembranças desse tempo. 
De 1938 a 43 ali estivemos. No pátio, em fila, cantávamos o Hino Nacional de cor, todas as manhãs. Depois, respondíamos a chamada pelo nome e seguíamos para as salas de aula no térreo e primeiro andar. A tabuada de um a dez estava na ponta de língua. A última professora de que me lembro foi dona Mariana – muito enérgica, mas eficiente. Com ela, aprendíamos.
Em 1945, com o final da Segunda Guerra Mundial, tudo parecia melhorar. Fui trabalhar numa pequena fábrica de calçados, de propriedade de um senhor chamado Pedro Campana. Buscava o couro e esticava na mão. Assim, ajudava na renda familiar com alguns “milréis”.
Foi nessa época que conheci a família do diretor teatral João Vaz, o “Fumaça”. Garçon de profissão, “Fumaça” era um apaixonado pelo teatro, e na casa dele e de sua esposa, Izerita, na rua Amador Bueno depois da Florência de Abreu, todos eram artistas. Representavam na União Geral dos Trabalhadores – UGT -, situada no primeiro quarteirão da rua José Bonifácio.
Além de ensaiarem na UGT, José e os filhos do casal também usavam a própria casa para se prepararem. Os ensaios, dos quais eu participava, eram muito pesados e o diretor bastante exigente. As cenas se repetiam quantas vezes fosse preciso e não me esqueço do “Fumaça” dizendo “Vocês nunca vão estar bons o bastante, mas mesmo assim poderão se apresentar”. Bem, pelo menos era um consolo para aqueles aspirantes a astros do palco.
Naquela época, na frente do palco, na ribalta, havia uma espécie de pequena cúpula embaixo da qual se escondia o “ponto”, na verdade o próprio diretor que, abaixado ali, auxiliava os atores assoprando suas falas enquanto batia com um lápis no assoalho.
Os textos eram pouco decorados e havia muito improviso. Da coxia, alguém com o texto da peça nas mãos auxiliava cada ator na sua entrada em cena. Quantos erros e cenas invertidas! Quanta confusão provocada pelos afobadinhos. Mas criatividade era o que não faltava e o público aplaudia de pé. E no final, o elenco artístico era sempre apresentado ao público pelo Diretor, que agradecia os participantes e anunciava nova seção para o dia seguinte.
Entre os “atores” daquela época, me lembro de Ricardo Pinatti, Aristides “Tom Mix”, João Fumaça, Izerita, Idalina, Plínio, Nilton Garcia, Neuza Garcia, Lino Fazolin, Neno Nazareno, Ary Engracia e dona Pequena, mãe do ator Lima Duarte. Alguns foram embora em busca da fama na TV e nos palcos. Aqui continuávamos a montar peças clássicas como “Onde Canta o Sabiá”, “Deus lhe Pague” e outras.
No ano de 1955 eu já me considerava um verdadeiro ator, embora ainda fosse um frangote. Por essa época fiz a Admissão ao Ginásio e depois cursei os quatro anos do ginasial no Ginásio Espírita Apóstolo Paulo, na rua São Paulo com Anita Garibaldi. Em 57, a gripe Asiática chegou pra valer e quase me levou embora. Além da penicilina e do xarope Carotenol, o limão galego ajudou a contornar a situação. Mas principalmente a visita diária do médico à nossa casa, costume comum naquela época.
No Ginásio existia um Grêmio Estudantil, uma cantina no pátio e quadra de atletismo. Aos domingos, nas matinês no palco simples do auditório, os alunos apresentavam números artísticos com músicas ao acordeon, bailados em grupo, skets humorísticos. Lembro-me do Valdir, do José e do “Deserto”. Os ingressos eram frutas e bolos, o que depois nos garantia um banquete.
Nesse tempo nasciam muitas amizades sadias entre nós. Saíamos em grupo, frequentávamos bailes em barracas de lona, lá no Barracão, hoje Ipiranga, festas de casamento, cinemas e casas de amigos no preparo dos exercícios de matemática, respeitando as exigências do professor Carlos Eduardo Martinelli.
Quando um pai mais severo de uma das moças a proibia de ir ao baile, nós muito confiantes e responsáveis, íamos até a sua casa e assegurávamos ao pai bravo que cuidaríamos de sua filha. Depois de muita argumentação, eles deixavam, mas avisavam para trazermos as donzelas antes da meia-noite com eles esperando na janela. Cumpríamos o trato à risca. Eram outros tempos.
Nesse tempo também fazíamos piqueniques ao ar livre, em chácaras de amigos. O transporte era nos caminhões com carroceria de madeira. E por conta de alguns cupidos entre os amigos, vários casais se uniram para sempre. Foi nesse tempo que conheci Abigail e começamos a namorar.
Hoje, quando nos revemos, às vezes, lembramos daquele tempo com saudade das moças que protegíamos com tanto carinho e que consideramos as “flores de companhia”.
Mais tarde passei a participar do grupo teatral do Centro Espírita, dirigido pelo diretor e teatrólogo José Papa, que me apelidou de Zé Minhoca, referindo-se ao meu físico franzino e, dizia ele, à minha esperteza. Só que, apesar da minha dedicação aos palcos, precisava me sustentar. Registrei-me como funcionário do Laboratório Torres e em 1960 me casei com Abigail, na cidade de Altinópolis.
Os ensaios teatrais, porém, continuaram sob a direção do Papa, no auditório do Centro Espírita, na Mariana Junqueira, 504. A cada quatro meses encenávamos peças do próprio Diretor, no Teatro Pedro II, entre elas “O Médico dos Pobres” e “Um Passo Errado”. Além disso, nos apresentávamos em algumas cidades da região. Desempenhei vários papéis com sucesso, em peças conhecidas como o Navio Negreiro, de Castro Alves, em que eu fazia um escravo.
No ano de 1966 aconteceu um evento inesquecível para nós, do teatro amador – o Festival da Alta Mogiana, acontecido no Salão Dom Alberto, atrás do palácio episcopal, na esquina da rua Tibiriçá com a Prudente de Moraes. A cada noite, um grupo diferente se apresentava e tudo era muito caprichado, desde a pontualidade até o guarda-roupa. Minuciosamente, cada um desses itens era levado em conta para ser avaliado.
Entre os grupos participantes estavam o Grupo Teatral Eurípedes, do José Papa, o grupo do Seminário de Brodowski; o grupo da Vila Seixas, o Teatro-Escola da Vila Tibério, o Círculo Operário dos Campos Elíseos. Um dos grupos, formado por estudantes dirigidos pela respeitada professora de português Florianette Guimarães, chocou todo mundo com um texto que trazia palavrões. Por causa disso, o Círculo Operário, que apresentara o clássico “Rei dos Reis”, mas apoiara o grupo estudantil de vanguarda, foi desclassificado, para tristeza de todo mundo. A discussão que acontecia era entre os que acreditavam que o teatro tinha a função de educar e aqueles que achavam que só tinham que representar.
Confesso que me senti fortemente surpreso ao ser anunciado como Melhor Ator. Fui calorosamente aplaudido e me prometeram o troféu Jeca Tatu, uma escultura de uns 30 centímetros que mostrava um caipira alto, magro, de cavanhaque, olhando o edifício Martinelli. Mas o troféu nunca chegou.
O tempo passou e de vez em quando, em datas comemorativas, eu participava de algum festival com dramas e skets decorados, poesias e números musicais. Após cada apresentação e durante muito tempo, os atores eram confundidos e chamados pelo nome dos personagens - Menino Henrique, Jonas, Pai João etc.
Entre 1978 e 93 trabalhei como Auxiliar de Enfermagem do Hospital das Clínicas, no campus da USP, onde tive a oportunidade de me apresentar numa peça sobre Lixo Hospitalar. O personagem principal chamava-se Beldo, um caipira lambão, catador de papel. Eu fiz o Petrolino.
Depois que me aposentei, lancei meu primeiro livro, “Sonhos da Minha Infância”, de contos. Por volta do ano 2000, de volta aos palcos, atuei numa pecinha de Lúcia Taveira sobre o mosquito da Dengue, para o setor de vetores da prefeitura, sob a direção de Antonio Sartori. Com esse meu físico, fiz, claro, o próprio aedes aegypti.
A peça teve várias apresentações – no auditório do Sesc, na Câmara Municipal, no Sesi e até no auditório do Teatro Pedro II, além da Faculdade de Enfermagem, numa sala de aula repleta de alunas.
Montamos também a peça História de Maria no núcleo da Terceira Idade dos Campos Elíseos, em que eu fazia um preto velho. A peça foi apresentada num Festival, na cidade de Jordânia, em Minas Gerais, no vale do Jequitinhonha. Ficamos uma semana - cada noite havia uma apresentação no grande palco ao ar livre, na Praça Central.
Os mesmos personagens e outros continuaram no Núcleo da Terceira Idade da rua Aliados com Avenida Saudade, sob a direção de Antonio Santana. Sempre que a peça era sobre a Dengue, eu era o protagonista, entre elas numa apresentação feita na frente do altar da igreja Santa Teresinha, na vila Tamandaré, depois da missa do padre Chico.
Hoje continuo um entusiasta do teatro. E com meus companheiros do Núcleo, sempre que possível ensaiamos e montamos peças. Além disso, estou sempre com disposição de encontrar todo mundo e aprender. Mas lembrando sempre dos bons tempos que já vivi nessa cidade abençoada e que espero viver ainda por muito tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário