segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Leonor Dalva Barros Rea


Muito vaidosa e sedutora, 
Leonor Dalva Barros Rea 
não confessa a idade, mas capricha bastante 
no visual e não recusa atividade e diversão.  
Segundo ela, o grande aprendizado que
 teve na vida foi trabalhando como professora e convivendo 
com o universo de um hospital.



Lições de Vida


Embora eu não tenha nascido nessa maravilhosa cidade, me sinto uma verdadeira ribeirão-pretana. No ano de 1969, saí da pacata cidade de Sales Oliveira, junto com minha mãe, Antonia, para lecionar no Curso de Alfabetização de Adultos, que funcionava no Grupo D. Alberto José Gonçalves, na época localizado na rua Edgar Cajado esquina com avenida Saudade.
Meu pai, Alberico, só vinha nos finais de semana, porque era vereador em Sales, mas infelizmente, morreu naquele ano. Na mesma escola, à noite eu dava aulas de alfabetização e de dia era professora substituta. 
No primeiro dia, ao entrar na classe, composta em sua maioria por adolescentes, confesso que fiquei muito assustada, pensando: “E agora? E se eles não gostarem de mim e começarem a fazer algazarra? Mas para minha surpresa, os jovens me receberam com entusiasmo e admiração. Foi amor à primeira vista de ambas as partes.
Eu me esforçava muito para eles aprenderem e os incentivava a continuarem a estudar no futuro. Felizmente, muitos daqueles alunos fizeram faculdade e outros tornaram-se bancários, comerciantes, mecânicos e hoje têm um ofício digno e são bem sucedidos.
Recordo-me daquela época com muita saudade – quando o aluno amava e respeitava o professor e se preocupava com ele. Quando terminava a aula, muitos deles me acompanhavam até o ponto de ônibus para me proteger. Outros me presenteavam com ramalhetes de flores, balinhas de canela, toalhinhas de crochê e sempre muito carinho.  Nunca os esqueci - foi uma época extremamente marcante e feliz da minha vida.
 Nessa época eu era solteira e nos finais de semana ia para a casa do meu cunhado, Joster Barbosa, que tinha uma casa de fotos na Avenida Saudade. Ele era um fotógrafo muito popular na época. Sua loja ficava ao lado do Cine Santana, onde eu e minhas sobrinhas assistíamos a filmes famosos da época, como os do Mazaroppi, entre eles, Casinha Pequenina, Tristeza do Jéca e outros. 
A fila do cinema era enorme, dobrava a esquina e nós nos divertíamos bastante. Às vezes também passeávamos na Praça XV, em volta da fonte luminosa, onde os jovens se divertiam. Nessa época, não se usava ir para baladas e barzinhos. Íamos ao Bosque Municipal, às quermesses e a alguns bailinhos, onde ensaiávamos passos do Toni Tornado.
Assisti a alguns filmes muito bons também no Pedro II, que na época funcionava como cinema. Tinha também o Cine São Jorge, lá perto da Francisco Junqueira, que era maravilhoso, enorme e passava ótimos filmes. Depois foi fechado e esquecido como muitos outros – Cine Centenário, na esquina da Praça XV, por exemplo.
A gente paquerava bastante e foi numa dessas paqueras que conheci meu falecido marido. No carnaval, os desfiles de Escola de Samba eram realizados na Avenida Saudade. Eu e minhas sobrinhas colocávamos as cadeiras em frente ao Foto Joster e assistíamos tranquilamente ao maravilhoso desfile das escolas.
No bairro dos Campos Elíseos eram realizados também outros eventos, como a quermesse do asilo Padre Euclides, que era famosa, bem organizada e muito bem frequentada. Muitas jovens encontraram seus futuros maridos na quermesse.
A pracinha Rômulo Morandi e a Santo Antonio também eram frequentadas por jovens nos finais de semana, que iam pra lá se divertir e namorar. No mesmo prédio da Igreja ao lado, funcionava o Cine Santo Antonio, onde eu tive a oportunidade de conhecer o famoso rei do baião, Luís Gonzaga. Ribeirão naquela época era maravilhosa, porque quase não tinha violência.
Lecionei em vários cursos de alfabetização, mas o salário era pequeno. Eu era arrimo de família, minha mãe estava doente e em 71 prestei concurso por Hospital das Clínicas e fui aprovada como escriturária. Nos primeiros dias de trabalho fiquei assustada porque não estava acostumada a ver tanto sofrimento. Comecei a chorar e fui parar no médico. Tive vontade de abandonar aquele emprego e voltar correndo para a escola. Mas com o passar dos dias, fui me adaptando à minha nova profissão. A enfermeira chefe da época e alguns funcionários foram muito bons e colaboraram muito comigo.
Em 72 entrei na Faculdade, no curso de Letras, na Moura Lacerda, onde anteriormente eu cursara Pedagogia. Eu trabalhava um período, ia pra Faculdade e à noite continuava lecionando. Ficava cansada, mas era jovem. Dava pra aguentar.
No ano seguinte, me casei, mas continuei trabalhando e estudando Dois anos depois tive minha filha, depois meu filho. Passei num concurso para lecionar Português e Inglês, mas não podia me mudar – tinha meu marido e minha mãe aqui e eles precisavam muito de mim.
No HC eu aprendi muito. É uma verdadeira escola de vida, onde a gente aprende a crescer como ser humano e a ver que não somos nada e não temos que ter orgulho – de um momento para outro a nossa vida pode desmoronar e passarmos a depender do carinho e da ajuda dos outros. A doença nos fragiliza e nos deixa sensíveis.
Também fiz muitas amizades no HC. Aprimorei meus conhecimentos, pude proporcionar uma vida melhor aos meus filhos e saí de lá bem melhor do que entrei, porque aprendi o verdadeiro valor da vida. Ali conheci excelentes profissionais que tinham vocação e se entregavam ao trabalho, como o médico que chorava quando algum paciente morria, ou os auxiliares de enfermagem que tratavam os pacientes com verdadeira dedicação, como se fossem pessoas da família.
Aprendi também que a fé, o otimismo e a vontade de viver ajudam muito na alta hospitalar, assim como a presença e o carinho dos profissionais. 
Desde essa época venho refletindo que os funcionários da área da saúde mereciam ser mais valorizados pelo governo e ter melhor remuneração. Trabalham muito, sob muita tensão, porque um simples erro pode ser fatal, por negligência ou falta de conhecimento de profissionais mal preparados.
Minha função era de grande responsabilidade porque eu distribuía a medicação aos pacientes de acordo com a prescrição dos médicos. Não podia errar. Alguns pacientes vinham cantar Carinhoso comigo, autorizados por minha chefe. E no mês de Junho fazíamos uma festa junina para os pacientes, quando eu me fantasiava e dançava pra valer. Cheguei inclusive a ser a noiva da festa. Na hora do café, eu costumava contar histórias tristes da minha vida de um jeito engraçado, fazendo todo mundo rir.
Mas como tudo passa, depois de 30 anos de trabalho, em 2000 me aposentei. Agradeço a Deus pela oportunidade de exercer esses dois ofícios - professora e profissional da saúde, que tanto me ensinaram a conhecer melhor o ser humano e a valorizar a vida.
As rugas marcaram o meu rosto, mas não enrugaram os meus sentimentos. Me sinto jovem e descobri que o segredo da eterna juventude é a alegria, o entusiasmo. Hoje, além de curtir filhos e netos, faço teatro no Núcleo da Terceira Idade, frequento bailes, onde arrumei um namorado maravilhoso, faço ioga, participo de desfiles de moda e assisto a peças no teatro Pedro II. Já me candidatei a Miss Terceira Idade, que ajuda muito a levantar a auto-estima. Tive o privilégio de ser classificada em terceiro lugar, mas fui eleita Miss Simpatia, com uma festa maravilha, fotógrafos e televisão.

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