segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Aracy da Silva Tonich

Aracy da Silva Tornich, 75 anos, foi a 
primeira bancária de Ribeirão e 
lembra da Vila Tibério cheia de chácaras 
dos italianos
 
Dias e noites da Praça XV e da Vila Tibério

Vim de uma família pobre mas com certo conforto e dignidade. Meu pai se chamava Manoel Cândido Silva e trabalhou na roça até 1941 quando viemos de mudança para Ribeirão Preto.
Em 45 ele conseguiu uma vaga na prefeitura como Guarda Municipal e trabalhava na Praça XV, onde era muito conhecido como “seu” Manoel,  o guarda. Passou pelas administrações do Coronel Condeixa, Costábile Romano, Gasparini por duas vezes e outros. 
Era muito querido pois cuidava com muito carinho da praça. No jardim, plantava roseiras de várias espécies e não deixava ninguém destruí-las . Além disso, fazia lindos buquês e pela manhã agraciava as esposas dos prefeitos com eles – a esposa do Gasparini foi a que mais ganhou flores.
No início, trabalhava na praça das 18 hs às 6 da manhã. Mais tarde passou para o turno das 15 às 23 hs. Aposentou-se aos 70 anos contra a vontade. Por ele, trabalharia até morrer. Amava seu ofício e na praça deixou uma vida inteira e  milhares de amigos. Entre seus chefes estavam o seu Antônio Palocci, pai do futuro prefeito, e seu Ângelo Minto, pessoas inesquecíveis.
Eu nasci em 11 de julho de 1937, na Fazenda Dumont. Em 39, a família mudou-se para o sítio Santo Antonio, em Sertãozinho. A vida era dura e quando minhas irmãs mais velhas tiveram que começar a estudar, mudamos para Ribeirão. Viemos com  a mudança para a rua Bartolomeu de Gusmão, na época, número 141, na Vila Tibério. Era 3 de janeiro de 1941.
Nesse tempo havia no fim da Vila Tibério, uma espécie de corredor, uma viela com porteira para as pessoas transitarem. O nome desse lugar era Corredor dos Calabreses, acho que por causa do tanto de italiano que morava por ali. Havia muitas chácaras nesse local, com muitas famílias, todas vindas da Itália. Hoje não existe mais. Os patriarcas morreram todos e ficaram os descendentes. E onde era o corredor fica agora a rua Paranapanema, que é continuação da Bartolomeu de Gusmão.
Para chegarmos ao conforto de hoje, sofremos muito, amassamos muito barro e comemos muita poeira. Os paralelepípedos iam até a rua Conselheiro Dantas, em frente  ao 3 Grupo Escolar, hoje Sinha Junqueira.
Mas tudo passou. Em 49, eu já havia terminado os 4 anos do grupo e fui estudar na Escola Industrial Martiniano da Silva. Lá fiz o curso Básico Industrial, equivalente ao ginasial.
Esse preparo foi muito bom para eu enfrentar tudo que viria pela frente anos mais tarde. Em 53 terminei meu curso e fui trabalhar como ajudante da secretária no colégio Moura Lacerda. Ali aprendi a datilografar, escrever à máquina, como se dizia na época. Fiz o curso de datilografia e era incrivelmente rápida- chegava a escrever cerca de 103 palavras por minuto. Lá fiquei por mais ou menos um ano e fui para o escritório Spadoni, também como secretária.
O proprietário era o doutor Luiz Aldo Spadoni, que tinha uma loja de venda de máquinas pesadas, tratores, implementos agrícolas. Nessa época eu era uma jovem bonita, esbelta, atraente e muito esperta. Era também muito católica, ia à missa todo domingo. Tinha boas amigas.
Certo dia estava trabalhando no escritório, que ficava na Américo Brasiliense com a Tibiriçá e o doutor Luis Aldo conversava com o doutor Arouca, cujo cliente estava alugando um edifício ali perto para instalar uma agência do Banco da Lavoura de Minas Gerais. Doutor Arouca, impressionado com a minha esperteza e rapidez em organizar papeladas, me convidou para ser secretária do Banco. É claro que aceitei o convite e com pesar acertei minhas contas com doutor Luís Aldo.
Lá fui eu para meu novo emprego. Novo em todos os sentidos porque, na época, aquela era a única instituição bancária que admitia mulheres entre seus funcionários. Éramos 5 secretárias. Ou seja, posso dizer com orgulho, que por volta de 1956 fui uma das primeiras mulheres a trabalhar como secretária num banco.
Ali fiquei até abril de 61, quando me casei. Na época, por incrível que pareça, não era permitido às mulheres casadas trabalharem fora. Fui despedida com todos os meus direitos pagos.
Em dezembro de 62 as coisas já haviam evoluído. Prestei um concurso no Hospital das Clínicas, passei e dali uma semana já trabalhava como telefonista. Na época, nosso querido diretor era o doutor Paulo Gomes Romeo e fiquei no cargo até 1977 quando me concursei para escriturária e fui trabalhar na farmácia do HC.
Um ano depois, novo concurso, dessa vez para Auxiliar de Farmacêutico. Passei em 19 lugar e fui chamada na primeira turma e lá trabalhei bastante até 4 de janeiro de 1989, quando aconteceu a deliciosa festa da minha aposentadoria.
Agora é só alegria. Agradeço a Deus pela vida que me deu, a família que tenho, com três filhos, sete netos e uma neta, além de toda a parentada, muitos amigos e companheiros do PIC da Vila Tibério e de outras associações que frequento, como o Lyons.
Sou viúva, mas tenho um companheiro, desde 2007, o Márcio, de 69 anos, que amo de paixão. A história do nosso encontro vale a pena ser contada. Uma manhã, eu estava passando café de camisola, robe e chinelinho, tudo cor de rosa, e o chinelinho com pedraria, porque sou assim, muito enfeitada mesmo. Tocou a campanhia e era um homem procurando meu filho que, segundo disse, era seu contador. Era bonito, de olhos azuis e cabelos grisalhos. Sentiu o cheirinho do café e comentou. Eu, claro, ofereci uma xícara. Trouxe numa bandejinha toda arrumada e ele tomou e fumou um cigarro
Ali ficamos conversando. Contamos um ao outro nossas vidas. Disse que morava sozinho e sentia muita solidão. Depois, dei-lhe meu telefone porque tinha que sair. Mais tarde ele ligou pro meu filho e disse que tinha gostado muito de mim, que eu era bonita e educada. Ligou naquela noite e em todas as outras. A gente conversava muito. Um dia me convidou para sair e eu disse que à noite não. Fomos então almoçar e estamos juntos até hoje.

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